sábado, 31 de julho de 2010

Paraíso S2

Acordou com o dia a esbofetear-lhe a cara. Levantou-se e esticou as asas, antes de as bater desajeitadamente como um periquito.
Ao pôr o pé na rua, foi levado por um tornado de nível quatro, juntamente com fatias de telhado, janelas, motoretas e gatos. Subiu sem parar, até atingir as nuvens. Naquele lençol antárctico banhado pelo sol estendia-se um mundo com automóveis, supermercados, restaurantes, cabeleireiros… Um mundo nada parecido com o céu - pensou com as suas pregas (pois as vestes dos anjos não têm botões).
Encontrava-se no paraíso S2 do complexo celeste, um éden de socialização de segundo grau, destinado a pessoas de nível médio-baixo: lavradores, mineiros, prostitutas… Mais acima (segundo a hierarquia celeste, inversa à da terra), situava-se o paraíso S1, o dos miseráveis, párias, índios e miúdos de barriga inchada por falta de grão de milho, que acorriam às inúmeras hamburguerias e gelatarias na esperança de desengelharem. A secção abaixo, a S3, destinava-se aos desafogados, ricos e milionários.
Perguntou por Deus a uma costureirinha que saltitava pelos campos celestes, com uma embalagem de “Molico” na mão. Que sim, que já tinha ouvido falar desse tal Senhor, mas que ninguém sabia dizer por onde andaria. Constava que por todo o lado.
Foi um ladrão de auto-rádios com um coração de manteiga (que vendia aos pobres, por 2 euros, os aparelhos roubados) quem finalmente lhO apontou, confessando que Ele de vez em quando se esquecia de estar em todo o lado, o que tornava mais difícil encontrá-Lo.
Seguiu as indicações e lá O encontrou, barba de cinco dias, olho trocista e lábios de arrependimento. Um Graciano Saga banhado pela melíflua luz das escrituras, dando despacho a uma informação de serviço sobre tributação de bens intangíveis, ladeado por Judas, o seu Ministro das Finanças.
Saudou Deus de longe e decidiu dar uma saltada ao paraíso S1, para comer um donut no “McDonalds”. Sentou-se junto duma janela para aproveitar a claridade daquele dia de Inverno. Esfregou as mãos e, com a réstia de hedonismo da antiga existência terrena, entregou-se ao desfrute da sua própria satisfação: - ´Tá-se bem!

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