terça-feira, 13 de abril de 2010

Selviagens

Na aldeia de Haximu, os Ianomamis, marrafas ingénuas sobre olhos virgens de culpa, aconchegam-se na cálida felicidade de se saberem família.
Quando a chacina se dá, dá-se bruta e brusca, relâmpago de etnocídio com brilho de ouro. Os índios são fugitivos sem sapatos, correndo à frente das balas dos garimpeiros como costureirinhas desajeitadas para panelas esturrando ao lume.
Para as autoridades, o desaparecimento sem rasto daqueles animais humanos só poderia dever-se ao costume de eliminarem todos os vestígios dos mortos, calcinando e moendo os ossos para alimento dos parentes.
Mas um índio sobrante, semblante opaco de barro, contou que não fora assim. Contou que os irmãos, ao serem atingidos, tinham ganho asas e caudas coloridas, elevando-se, como os braços suplicantes das árvores amazónicas, daquele solo traiçoeiro.
Aquele velho Ianomami já assistira a mais de uma demarcação dos quatro palmos de terra índia:
- Índio virou passarinho, a gente pega e mata no ar.
E um irmão voador, com penas de tucano, passou-lhe pela vista vendada de tristeza e tabaco.

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