domingo, 22 de novembro de 2009

Teatro de sombras

Fora condenado, por parricídio, a uma pena de vinte anos.
Na prisão, com contraplacado da oficina fez um cavalo de Tróia, de cujo ventre desciam por cordas uns soldados de papel maché. Os outros bonecos eram de cartão, com articulações de arame. Do desamparado Telémaco ao monstruoso Ciclope.
Era num lençol grande que representava a “Odisseia”. Uma ou outra vez em público, na cantina da penitenciária. Mas quase sempre no recesso da cela, à luz transfiguradora do candeeiro de petróleo.
Durante a longa pena, nunca se confinou às quatro paredes da cela. Cruzou os mesmos mares que o seu Ulisses de cartão navegou.
Quando o libertaram, voltou para a sua Desdémona, a mãe viúva que amava mais do que tudo.
Foi encontrá-la cancerosa, acabada.
Compreendeu então que a justiça dos homens é bem mais cruel do que a dos deuses. E não tardou muito até que cometesse outro crime, trocando de novo a prisão da realidade pela liberdade da fantasia.

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