Tendia a ficar deprimido, sem razão aparente que o justificasse.
Certa manhã, teve vontade de lavar os dentes no bidé. Desconfiado, temeu que estivesse a chegar mais uma depressão. Quando começou a lavar os sovacos no bidé, teve a confirmação. Passou a barbear-se no bidé, a lavar a cara no bidé, a fazer toda a higiene pessoal no bidé. O bidé bastava-lhe. Estava feito à sua medida. Tinha a dimensão exacta da sua pequenez dobrada em concha.
Uma semana depois, um amigo emboscou-o na rua e inquiriu-o de coisas:
- Então, Carlos, que tal vai isso?
- Nada bem… olha, ando outra vez a fazer tudo no bidé.
- É pá, isso é que é pior!
Nessa noite, durante aquele estado indefinido entre a vigília e o sono, imaginou-se a cortar os pulsos no bidé. A ver o fio de sangue na volta de despedida antes de seguir pelo ralo.
Levantou-se, dirigiu-se ao bidé para gorgolejar e sentiu vontade de cortar os pulsos naquela peça de louça criada pelo preguiçoso engenho da burguesia.
Mas resistiu a deixar escorrer a vida pelo bidé. Em vez disso foi sentar-se em frente à televisão, para se abandonar àquela inércia suburbana que mata mais devagar.
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