sábado, 26 de setembro de 2009

Aditivos

Há mais de três horas que andava de bar em bar, tomado pela tristeza, a ingerir aditivos para a alma. Era já o sexto bar em que entrava. Sentou-se ao balcão e pediu um copo de E330 com duas pedras de gelo.
- E330 já não temos. Tem-se bebido muito. Se quiser um batidinho de espessantes…
Pediu antes um refresco de edulcorante com gás, bebida que já o falecido pai, apreciador do sabor acidulado do E950, tinha por hábito degustar após um longo dia de trabalho.
Sorvendo o refrigerante, lançou mágoas ao barman. Desde que a mulher o trocara pelo açougueiro do talho da esquina que ganhara o hábito de lançar mágoas ao barman. Coisa de filme negro de terceira categoria.
Mudou de bar. Não de mágoas.
Sentou-se na mesa do canto, pediu a lista de cocktails de aditivos e pasmou: desde o “Blue Fizz” de glicina e emulsionantes, até ao “Bella Ragazza” de inosinato dissódico e estearato de magnésio, passando pelo “Nuvem Branca” de fosfatidato de amónio e lactilato de propano, com duas gotas de monopalmitato de sorbitano, a lista era vasta e rica, feita para agradar aos gostos mais extravagantes. Ele é que não apreciava tão exóticos ingredientes, criado que fora a corantes e conservantes.
Pediu o Cocotini E472, pois não lhe desagradava de todo o sabor dos ésteres mistos acéticos e tartáricos. Mas bebeu-o sem prazer, a pensar que, naquele preciso momento, as rudes manápulas do açougueiro estariam a untar, com nitritos e nitratos, as ancas desenhadas a ponta de pluma da sua Ermelinda.
Estava velho. Ainda era do tempo em que se podia entrar num café e pedir um simples néctar de ácido ascórbico.

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