Entrou no café, sentou-se e pediu uma bica.
Olhou para a mesa e viu uma micaia. Depois outra e mais outra ainda. Viu zebras, antílopes e leões. E milhares de gnus atravessando um rio.
Bebeu a bica, deu uma passa no cigarro e expeliu o fumo.
Do fundo da chávena vinha um forte cheiro a capim.
Quando a névoa desapareceu, o poente avermelhado ocupava, perfeito, toda a mesa do café.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Aquela entidade indefinida (II)
- Já sabes que congelaram os aumentos da função pública?
- Já sei, já. ELES não hão-de descansar enquanto não nos matarem à fome.
- Já sei, já. ELES não hão-de descansar enquanto não nos matarem à fome.
Na salina
Na salina ao pé da praia, as gaivotas estacionam de forma ordeira. O facto tem uma explicação: durante três anos trabalhou ali como arrumador um drogado escorraçado das avenidas.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Aquela entidade indefinida (I)
- Ó senhor Santos, este carrinho que me vendeu vinha com uma roda estragada.
- Toma lá um igual, que ELES depois mandam outro.
- Toma lá um igual, que ELES depois mandam outro.
O método dos pequenos passos
O que os livros de história não dizem - mas é verdade - é que aquando de uma passagem por Lisboa, Jean Monnet, o pai da Europa comunitária, arquitectou o seu método ao ver uma velhota que subia as escadas do autocarro carregada de sacos de couves.
domingo, 26 de setembro de 2010
A matança
Convidado para a matança do bolo de noiva, chegou ao quinteiro quando o magarefe dava início à função.
Ao ver aquele homem corpulento e abrutalhado, sentiu um arrepio na espinha. Dois mocetões deitaram as mãos ao bolo, segurando-o pelo pescoço (o andar superior). O magarefe aproximou-se e o par de noivos em miniatura fitou-o com terror. A comprida faca de dois gumes perfurou a massa fofa. O bolo guinchou. O creme pasteleiro escorreu para o alguidar de barro.
Após a chamusca da massa de açúcar, o bolo foi aberto, extirpado das unhas e cabelos do pasteleiro, desmanchado e distribuído ao povo.
A um canto, o magarefe desabafava, enquanto limpava o creme pasteleiro do avental:
- Prefiro a matança do bolo-mármore. É mais limpa.
Ao ver aquele homem corpulento e abrutalhado, sentiu um arrepio na espinha. Dois mocetões deitaram as mãos ao bolo, segurando-o pelo pescoço (o andar superior). O magarefe aproximou-se e o par de noivos em miniatura fitou-o com terror. A comprida faca de dois gumes perfurou a massa fofa. O bolo guinchou. O creme pasteleiro escorreu para o alguidar de barro.
Após a chamusca da massa de açúcar, o bolo foi aberto, extirpado das unhas e cabelos do pasteleiro, desmanchado e distribuído ao povo.
A um canto, o magarefe desabafava, enquanto limpava o creme pasteleiro do avental:
- Prefiro a matança do bolo-mármore. É mais limpa.
sábado, 25 de setembro de 2010
Campanha de prevenção rodoviária da GNR
Este ano há a registar um aumento do número de feridos graves, compensado pela diminuição do número de mortos ligeiros.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
A gota de água
Aturou-lhe todos os insultos, agressões e bebedeiras. Até ao dia em que ele tentou calçar o passe-partout com a foto da mãezinha.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Bombeiro é que não!
Quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, respondia convictamente, agangsteirando o sobrolho:
- Cúmplice.
Cumpriu a vocação. Aos 23 anos era nomeado adjunto.
- Cúmplice.
Cumpriu a vocação. Aos 23 anos era nomeado adjunto.
domingo, 19 de setembro de 2010
Área equivalente a 500 campos de futebol
Desde que os movimentos ecologistas levaram a sua avante, as melhores equipas de futebol são obrigadas a jogar em campos totalmente cobertos por floresta amazónica. Os mais prejudicados são os espectadores, que não logram vislumbrar mais do que fugazes lampejos das jogadas dos seus craques favoritos.
sábado, 18 de setembro de 2010
O atleta de Cristo
João Paulo II percorreu a distância entre Roma e Manila no excelente tempo de 10 horas e 40 minutos, com 20 séries de estiramentos durante o voo. Bento XVI, claramente menos bem preparado, necessitou de 4 horas mais para o mesmo percurso, com um único exercício a bordo: a demolha da placa dentária.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Vigília
A escritora ficava horas acordada à espera de inspiração. Acabou por escrever o romance com base nos delírios nocturnos do marido.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Estado civil
Uns meses depois de se ter divorciado, morreu-lhe a ex mulher. Quando lhe deram a notícia, incomodou-o menos a perda de alguém por quem já não nutria qualquer afecto do que o desconhecimento do seu novo estado civil: viúvo divorciado, ex divorciado viúvo ou viúvo de ex divorciada?
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Miopia
Míope como uma toupeira, nunca se separava dos óculos. Um dia, poisou-os na cómoda para limpar a cabeça. Esqueceu-se de onde os tinha posto e sem eles postos já não os conseguiu encontrar.
Lá ficou, parado, à espera que lhe passasse a miopia.
Lá ficou, parado, à espera que lhe passasse a miopia.
Tellado de vidro
Ao engravidar do patrão, chegou a pensar que ele viria a desposá-la.
Quando foi abandonada, começou por jurar vingança. Mas cedo percebeu que a culpa era menos daquele homem habituado a pôr e a dispor do que da Corín Tellado.
Quando foi abandonada, começou por jurar vingança. Mas cedo percebeu que a culpa era menos daquele homem habituado a pôr e a dispor do que da Corín Tellado.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Colete de fraquezas
Sonhava em usar um colete de guerrilheiro das FARC. Ficou-se por um colete de tarefeiro da FNAC.
Malha larga
O arrastão só levou as carteiras de senhora, deixando ficar aqueles porta-moedas miudinhos.
sábado, 11 de setembro de 2010
Jogos Olímpicos de Meia Estação
Montemor-o-Velho reúne todas as condições para acolher os Jogos Olímpicos. Já possui uma pista olímpica de remo. O resto, os chineses constroem.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Filho único
Ia todas as semanas ao restaurante chinês. Compreende-se. Queria ser o irmão do meio da família feliz do menu.
Na fábrica de conservas desactivada
Na fábrica de conservas desactivada, a balança ferrugenta marca o peso da ausência. As baratas continuam a sair desconfiadas. Os caixotes de plástico, empilhados com rigor soviético, conservam as conversas das operárias. O riso gordo da encarregada ecoa ainda nos tubos de ar do tecto húmido.
Naquela fábrica de conservas desactivada, onde o tempo interrompeu o progresso para ter onde ir descansar, o silêncio manda mais do que os ratos.
Naquela fábrica de conservas desactivada, onde o tempo interrompeu o progresso para ter onde ir descansar, o silêncio manda mais do que os ratos.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Ironia
Cultivava melancias sem pevides e uvas sem grainhas.
Um dia, caiu-lhe um coco na cabeça. Antes de o traumatismo craniano lhe baralhar as ideias, sorriu com a ironia de que é capaz a natureza.
Um dia, caiu-lhe um coco na cabeça. Antes de o traumatismo craniano lhe baralhar as ideias, sorriu com a ironia de que é capaz a natureza.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
As leis da atracção
Do que mais gostava nas mulheres era das pernas e do traseiro. Nada o atraía mais do que um longo par de pernas e um rabo bem torneado.
Um dia, ao passar diante de uma montra, apaixonou-se por um meio-manequim.
Um dia, ao passar diante de uma montra, apaixonou-se por um meio-manequim.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
O herói do dia
O ciclista encetou a fuga aos quinze quilómetros de corrida. Leva já mais de cem quilómetros de esforço solitário debaixo do jersey. Por fora, pele bravia de cigano das estradas. Por dentro, pele mimosa de menino de família.
O terreno começa a subir. Pedalada em desequilíbrio controlado. Bocas e garrafas que se abrem ao longo da estrada. E as letras brancas a passarem no asfalto negro.
Perto do final da etapa, o pelotão relança a caça. O herói do dia começa a perder terreno, vítima da carnívora perseguição.
A poucas centenas de metros do fim, raposa acossada com o bafo da matilha na nuca, está prestes a ser alcançado pelo implacável pelotão.
Para o evitar, desvia-se da estrada serpenteante e lança-se sobre a ribanceira, cortando em primeiro lugar a meta do vale aberto, balizada por duas aldeias ensolaradas.
Enquanto plana, vai beijando o ar sob a vaga de aplausos que leva na cabeça.
O terreno começa a subir. Pedalada em desequilíbrio controlado. Bocas e garrafas que se abrem ao longo da estrada. E as letras brancas a passarem no asfalto negro.
Perto do final da etapa, o pelotão relança a caça. O herói do dia começa a perder terreno, vítima da carnívora perseguição.
A poucas centenas de metros do fim, raposa acossada com o bafo da matilha na nuca, está prestes a ser alcançado pelo implacável pelotão.
Para o evitar, desvia-se da estrada serpenteante e lança-se sobre a ribanceira, cortando em primeiro lugar a meta do vale aberto, balizada por duas aldeias ensolaradas.
Enquanto plana, vai beijando o ar sob a vaga de aplausos que leva na cabeça.
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