terça-feira, 3 de novembro de 2009

O vizinho

Cumprimentou o vizinho, matou-o à porta com um picador de gelo, entrou-lhe em casa e bebeu-lhe um “J&B” on the rocks, reafirmando assim a comprovada ligação entre gelo e morte.
Vasculhou-lhe as cassetes de vídeo empilhadas junto à lareira e visionou dez minutos de uma pornochanchada sem interesse. Espreitou debaixo da cama, desejoso de sentir aquele cheiro a penico apurado no banho-maria do tempo oculto. Correu os dedos pelas prateleiras do homem cuja gordura amarelada extravasava da retalhada pele de tumbadora.
- Thomas Mann… um Ionescu… um Vilhena…
Gostava de falar sozinho. Sempre gostara de falar sozinho. Para mais numa casa vazia, que tão bem resguarda o tempo que a habita.
Livre de presenças e ruídos, praticava a necrófila curiosidade de vizinho.
Tocaram à porta. O som da campainha desligou-lhe a corrente de deambulações. Levantou-se com um arrastado Já vaaaaaai! Abriu a porta, deixou escapar um frio Olá vizinho e começou a pôr em prática, escrupulosamente, tudo o que estivera imaginando.

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